segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Súplica

retirem-me todas as palavras,
por favor.
resisto
às pastas contábeis,
a homens e mulheres
a falarem sobre números,
das quimeras da conta 36;
resisto
aos arquivos físicos,
às velhas máquinas de escrever,
aos goles e tragos regulares
entre pontos de pauta,
aos ponteiros de chumbo,
aos litros de tinta e saliva -
enxurrada
deliberativa
burocrático-procedimental;
custos correntes
fluindo em recursos próprios
estranhos a mim;
e sobre os cálculos de horas economizadas
rabisco em v€erde e preto
tudo aquilo que não
posso me furtar,
quando
cowboys, piñas e espanholas
colam-me em desatino;
recolho
os honorários matutinos
para pulverizá-los
à marcha de corpos errantes,
orçados em noite
ou em tudo
que podem ser
e fazer por ela;
nem a roda,
nem os papéis,
as caderiras espalhadas
ou mesmo a cinza decantada
no fundo do copo
predem-me mais
- não nestes últimos 47 dias -
agora,
só quero
os delírios loucos,
o veludo das carícias,
meus amores
enrolados em trapos de algodão;
reisito,
atrasado,
mas vôo.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009




















vestiu-se de cavalo-mar
em claros tons de azul e amarelo;
teu corpo,
crina livre,
em meio à brisa crua,
brincando de desmanchar
com os pés-nadadeira
o vai-e-vem
de suspiros brancos
bordados
à barra
do mar
de mercúrio;
enquanto,
eu - menino -
rasgo-te o céu
com minha
arraia rosa
e sua chave
de sete nós;
retângulo
de seda
e madeira,
crepom e
crepúsculo;
guiada
ao infinito
pelos
fios temperados
de sua
cabeça,
embaralhando-se
à linha do
horizonte,
leve
e
frouxa;
enrolada
em meus dedos
movo-te
bamba,
dou-lhe
voltas
e
ao largo,
desenteso
a meio mastro
do astro
para ver-te
assim,
pintada
de aurora.
F.e


trago
em nós
as raízes
da árvore
de tempo
que
queres
pintar
na carne.
crave-as
o mais fundo
que podes,
imprimindo-a
nos ossos;
pois esta entidade
que somos
sendo
a três,
a dois,
a sete,
renderá
seus frutos
lançados
ao mar
trinta anos
após
os banhos de sal e alfazema

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Presságios



















as palavras
e as vidas
não me pertencem
[nunca me pertenceram]
são todas de tempo
uma-a-uma
e antes
de debruçá-las
desveladas
e firmes
sobre
o branco
ao toque
vacilante
dos dedos-entidades
ouço
o ranger
das raízes
acompanho o baile
suicida
de pequeninos seres verdes
e aspiro
o cheiro acre
das febres
que brotam
do barrro
rijo e sábio
sob os pés
das vidas
e das palavras
e se estes
cantos pagãos
convertem-se
em carne despida,
patos e danças,
não honres a mim
pois apenas
concedo a ele
nada mais do que
minhas orelhas
precisas
e minhas mãos incorporadas
ansiosas
em arrancar
a renda cozida
pela tez preta
que cobre o mundo
todo feito
de febre
barro
folhas e
alumbramentos
a métrica
que grafo
no espaço
não passa
do mundo
recitado
pela
garganta rouca de tempo
e a nós
profanos agraciados
apenas nos é
dado
o poder
de lançá-las
o mais fundo
o mais longe
além mesmo
das nossas torpes
vidas-palavras
(estrela)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009


Não dormi de noite com as goteiras, disse a moça. Ela estava tonta, calçada de botas, o que lhe atrapalhava as forças e o sono. Mas já é de manhã, engoliu um trago de café ralo, quase amargo e jogou dois punhados de farinha na boca, como manda o cotidiano. Lá fora, pelo dia, o sol pincelava um quadro azul anil impecável com suas tintas lúbricas. Mais adiante, uma toalha muito alva enxugava as águas do mar, e as palmeiras brilhavam ao reflexo, movendo-se docemente, como se amassem. No entanto, a mãe do menino doente, metida em saia escura e blusa creme, sentiu-se diminuída, fez um muxoxo baixo. Parecia conformada com a situação. Puxou a saia para encobrir as varizes roxas e afagou a cabeça do filho. Enquanto a roupa quarava, a mulher chegou-se ao marido. Tinha as mãos encolhidas, finas ossudas. O rosto estava cavado, sem carne, terroso como barro de telha. Assim mesmo João a olhou e recordou-se de outros tempos:


- Hein, Rita, antigamente, hein... você era cheia, carnuda...


A mulher feriu-se na vaidade, avermelhou os olhos, que ficaram úmidos, mas apesar de tudo, nem uma lágrima saiu, como ensina o cotidiano.
(Joice)

sábado, 5 de dezembro de 2009

tu

menina
amanhã de manhã
quando a gente
acordar
quero lhe dizer
que a felicidade
há de emaranhar
nossos cabelos
sobre
o tom alvo
do travesseiro
compondo
o mais belo
quadro
de pollock

na incerteza de seguir querendo-nos
de, querendo-nos, seguir amando-nos
amando-nos nus,
seguimos
plumas rubras

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Incomunicando

se incomunicáveis somos,
convoquemos o vento
para ser o guia
das palavras rotas
proferidas no enlevo
do dia-a-dia desencontrado
de corpos transeuntes
apressados
que abraçam no instante
o etéreo e pueril montante
de covas,
rugas,
pele
e dentes brancos levemente deformados

inconunicáveis fomos.
a muito elas deixaram
de ser apenas palavras
e tudo aquilo
que ecoa desconexo
das grutas violáveis
chamadas boca
funde-se no espaço e no próprio tempo
forjando, tal qual o mais
hábil ferreiro
o gume amolado
que me corta os sentidos

são essas facas
que me marcam a carne,
mesmo quando
arremessadas
assim:
na rotina inconstante
no cotidiano fragmentário
vendados pelo acaso

incomunicáveis, não mais
pois todas as lanças
lacônicas ou não
tomam-me
o peito por alvo
tracejam o mesmo
arco
percorrem o mesmo
trajeto
e fincam-se inabaláveis.

estrela

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009














18 sopros
decantados sobre
a telha
interrompidos
em meio ao
diálogo
doce expectativa
aguardando o momento
para simplesmente bailar
não só bailar, homem,
mas amar como dois orixás
o sabem; negar e
desamar, e num sopro
paramos a chamar
o outro no olho, como
se deve chamar alguém,
a morrer por pouco
a calar sem medo
e berrar o silêncio
ouvir o absurdo
fritar, se dar
dançar
andar no meio fio, cair
construir asas de Ícaro, voar
em meio às chamas
azul-alaranjadas que
clamam por aquele
sabor acinzentado que
só os mais leves conseguem
sentir, lembra?
eram outros mambos e
outros mundo, sem o
gênero da cor, mas com
o gris das estrelas
negrume na quarta
vazio no quarto
corpo duplo e sedento
na cama
as cinzas escapam do
cinzeiro
a fumaça inunda a alma
e o que se vê é o
entrelace das mais
surdas fantasias
embebidas daqueles
que me dizem:
"e tu, que estás manco,
solto do mundo
como pluma, que farás?"
"morres à vida
como quem cai e
nunca volta
a agarrar-se nas
retas da mesma;
vês o calor e vai à
maneira de um beijo bárbaro,
cravo de sol e doçura."
eu lhes respondo: "sim,
o mundo é daqueles
que morrem
na expectativa do próximo
sopro."

Coletivo Íu, 25/11/09

Mojitto:



















tta

verde embalsamado
pelos cristais pálidos
caldo negro e mal,
tesos goles a
cinco homens
nivelados,
homens perdidos e
acuados
encontrados no líquido
fluído do amor
homens que brotam
das costelas de evas
desprovidas de adão
mulheres verdes,
com suas porções
masculinas vivendo
numa entidade só

Coletivo Íu

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Bolinha, dois beijos


dentes caídos
e ficaram sequelas
as marcas do rio da vida
impressas no rosto da Velha
e a dor pungente toma seu peito
dentes Caídos
e ficaram sequelas
o gosto largo embrenha-se à língua
agudando lembranças vindas de outrora
retiradas da face-mina
corroendo memórias
dourando desejos
enebriando máquinas
feitas para louvar
dentes caídos
e ficaram sequelas
a vida não,
nunca mais
foi feita de fé
a construção na areia
é mutante
é perecível
é fugaz
grita no vazio da minha boca
a cantillena dos passos na estrada
só soam àqueles que as compõem
as sequelas dos meus dentes caídos
só a mim me definem
sou as marcas, as dores
e os amores
sou eu, sou reto
e sou curvo
sou transitivo e eterno
sou vago
mago me mudo
amado a negar o mundo
pois os dentes caídos nos deixaram sequelas,
os dentes caídos nos deixaram sequelas
morte, tu também tens
vida, eu também tenho
e, no final,
além dos dentes caídos
o que sempre sobra é um pouco
um tanto. um santo.
e algumas putas.








(Coletivo Íu, no A Proa, em 25 de novembro de 2009)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Rotina



Na sala, cicatrizes do trabalho. Papéis, cigarros e um punhado cintilante de açúcar imitando uma constelação. Sob o bafo quente do dia e à deriva no mar da rotina, um lampejo.. Varando as lembranças de um extremo a outro. Paralisado, inerte, inabalável. Contempla de forma extemporânea a própria existência, como um transeunte arrastado magneticamente por uma vitrine qualquer. Numa fração de segundo onde nem mesmo o mais assíduo catador de horas pudesse aprisionar, tudo se evapora. Num bailar etéreo. A memória como uma caixa de pandora, onde se guardam involuntariamente bolinhas de sentimentos prontas para serem degustadas a qualquer momento tal qual suspiros em festa de criança. Caixa sem fim. Ávida pela plenitude lança em singelas doses cores, cheiros, sabores numa alquimia inebriante.
Contra a lógica linear e indelével do tempo, revive-se. Já temos nossa maquina do tempo. De volta aos papéis, pensa. “Quero minha cabeça sempre cheia disso".

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Primagreve!


Musicalidade primaveril de outrora
Ora piquetes
Pandeiro
E viola
Diálogos intermináveis
Varando incansáveis
Horas
Entre Lóki e o homem gol
F. Estrela

segunda-feira, 19 de outubro de 2009



Primavera tão implacavelmente doce...